A estratégia do regime de Lula é promover os seus competitivos produtores agro-exportadores e conseguir acesso sem entraves aos mercados norte-americanos e europeus, especialmente de produtos cítricos e de soja, um negócio multibilionário em dólares. Para atingir esta finalidade Lula deixou definitivamente de lado qualquer reforma agrária interna séria, assentando apenas 2000 famílias nos primeiros 9 meses do seu governo, a décima parte dos governos anteriores, a trigésima das 60 mil famílias que havia prometido e uma sexagésima daquilo que exige o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST).
Os agricultores corporativos do Oeste e do Sul dos EUA contam com uma voz poderosa em Washington e opõem-se a qualquer redução de barreiras comerciais e subsídios, e a administração Bush confia no seu apoio político.
Para contrapor-se à resistência dos EUA àquilo que Lula denomina um mercado livre "verdadeiro e completo", a equipe de Lula formulu uma estratégia de pressão colectiva por meio de coligações com outros países. Na reunião de Cancún dos ministros do Comércio do mundo todo (Setembro de 2003), o Brasil esteve na vanguarda da oposição do "grupo dos 21" (países do terceiro mundo que incluem a China, a Índia e a África do Sul), exigindo o fim dos subsídios comerciais estadunidenses e europeus e a regulamentação anti-dumping. O Brasil assumiu a liderança em Cancún e obteve vantagem estratégica para as suas próprias negociações bilaterais com os EUA, a fim de impulsionar os interesses agro-exportadores sob a bandeira da "anti-globalização". A política de Lula foi, de facto, promover o neoliberalismo simétrico, e não tinha qualquer interesse em defender os pequenos agricultores que produzem para o mercado local.
A segunda estratégia do governo Lula é consolidar e ampliar o Mercosul (grupo regional de integração económica integrado pela Argentina, Uruguai e Paraguai para incluir a Bolívia, Chile, Peru e Venezuela), não como alternativa à ALCA e sim como uma ferramenta para fortalecer a sua posição de negociação internacional em relação à América do Norte (Finantial Times, 26/Ago/03, pg. 3).
A terceira estratégia relacionada é envolver-se em acordos bilaterais de livre comércio com outros países latino-americano a fim de conseguir mercados e apresentar aos EUA uma oportunidade muito lucrativa de ganhar diversos mercados abertos se estiverem realmente dispostos a abandonar as suas políticas protecionistas.
O Brasil não está construindo um sistema alternativo de integração que exclua os EUA em si. Está, sim, tentando forçar os EUA a liberalizar e a proporcionar oportunidades comerciais à elite agrária que constitui a espinha dorsal da estratégia de Lula para o incremento da exportação. Os interesses comerciais estadunidenses e a Comissão Comercial Zoellick estão decididos a conseguir um "amplo e compreensivo" acordo sobre direitos comerciais, de investimento, de serviços e intelectual, ao mesmo tempo que retiram da agenda o tema do protecionismo agrícola estadunidense, já o tendo tratado na conferência de Doha (Finantial Times, 24/Set/03).
Os EUA desejam, em simultâneo, dominar totalmente as finanças, a indústria, os serviços e a investigação da América Latina (recolonizando a região através de um sistema de normas controladas pelos EUA), e proteger os seus não competitivos sectores agrícolas e manufactureiros. O Brasil, com as suas próprias poderosas corporações agro-industriais, está a tentar exercer pressão sobre os EUA mediante a formação de coligações que proporcionam maiores oportunidades para conseguir que a ALCA passe, mas com a condição de que a sua própria burguesia também se beneficie. Em Novembro próximo o Brasil e os EUA co-presidirão uma reunião para impulsionar um acordo ALCA em 2005. Os EUA conseguiram retirar da mesa de negociações o tema dos subsídios agrícolas e forçaram o Brasil a anuir a negociações bilaterais de livre comércio entre os EUA e o Mercosul no contexto da ALCA.
Os progressistas e as ONG que viram a liderança brasileira do "grupo dos 21" em Cancún como parte de um movimento anti-globalização estão totalmente equivocados. Os políticos, as políticas e as alianças brasileiras não são nem anti-globalização nem, muito menos, anti-imperialistas. A ideia de que a promoção brasileira do Mercosul seja uma alternativa à ALCA também é uma noção errada. Os líderes brasileiros consideram o Mercosul como um meio de exercer pressão sobre os EUA a fim de conseguir vantagens para as elites locais agro-exportadoras no interior da ALCA. Os brasileiros certamente negociarão e insistirão em concessões contra um regime estadunidense que quer tudo — livre fluxo de investimentos e controle da América Latina, mas protecionismo em casa.
A oposição à ALCA vem não do governo de neoliberais de Lula da Silva e sim da grande maioria dos brasileiros. Num referendo informal em 2002 votaram 11 milhões de brasileiros, e 95% estavam contra a ALCA. Os principais movimentos sociais, como o MST, os sindicatos, sectores progressistas da igreja, partidos marxistas e membros radicais dissidentes do PT, estão na vanguarda da campanha de oposição. Representam a verdadeira alternativa ao neoliberalismo no país e, deste modo, à ALCA.
Postado por: Jovana